Transportando Belos
Sonhos
As
histórias e aventuras vividas no primeiro ônibus da Famesf que permanecem vivas
na memória dos ex- alunos da instituição
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| Ônibus
da Universidade adquirido em 1965 pela Famesf para transportar alunos,
professores e funcionários que residiam em Petrolina- Pe e Juazeiro –Ba |
Texto: Sheila Feitosa
Fotos: Sheila Feitosa, Edna Lúcia
Oliveira e arquivo DTCS
Núcleo
de Assessoria de Comunicação do DTCS/UNEB
Lutar por seus
ideais em um período de censura e repressão militar foi o maior desafio de
muitos alunos que estudavam na Faculdade de Agronomia do Médio São Francisco
(FAMESF), na década de 1960. O país vivia a tensão da ditadura militar, fase
crítica da política brasileira, caracterizada pelo autoritarismo, perseguição e
repressão a quem era contrário aos ideais impostos pelo regime.
Enquanto isso,
em uma manhã de outubro de 1965, na cidade de Juazeiro, interior do Sertão
baiano, a primeira turma de alunos da Famesf saia do Brasil com destino à
cidade de Montevidéu, no Uruguai. A viagem cedida pela Universidade aos
estudantes da primeira turma do curso de Agronomia do Vale do São Francisco foi
realizada no primeiro ônibus da Instituição, batizado na época, como Belo
Antônio.
Na capital
uruguaia os alunos pretendiam visitar dois exilados políticos: Leonel Brizola e
João Goulart, mas foram impedidos devido ao risco de ficarem presos no país. O
próximo destino do ônibus Belo Antônio seria Buenos Aires, na Argentina, e
depois retornariam ao Brasil, viagem essa que durou um mês. As histórias e
aventuras vividas no primeiro ônibus da Faculdade de Agronomia permanecem na
memória dos ex- alunos que recordam com carinho cada momento.
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| O ex-aluno da Famesf Moacyr Mesquita Lopes
relembra a viagem que fez no Belo Antônio para Montevidéu, no Uruguai |
O ônibus
Mercedes Bens, modelo 66, foi adquirido pela instituição em 1965, por meio de
recursos doados pela comunidade, para transportar alunos, professores e
funcionários que residiam em Petrolina, Pernambuco, e Juazeiro, até à Famesf,
em um período de desenvolvimento das duas cidades sertanejas. No mesmo ano da
aquisição, os estudantes deram ao transporte o nome Belo Antônio baseado em um
filme ítalo-francês da década de 1960 de Vitaliano Brancati.
O apelido surgiu em uma viagem realizada
pelos estudantes à cidade do Rio de Janeiro. O ex-aluno da primeira turma da
Famesf, Moacir Mesquita Lopes lembra que apesar de ser novo, o ônibus não
conseguiu subir ao Morro do Corcovado. “O ônibus era o último modelo, muito
bonito na época, mas não era tão resistente e de porte. Por isso que o
apelidamos de Belo Antônio, inspirado na expressão ‘é bonito, mas não é de
nada’ ”, explicou.
Transportando sonhos...
Logo cedinho, o
Belo Antônio saia de Juazeiro e atravessava a ponte sobre as águas do rio São
Francisco, em direção ao primeiro destino, à cidade de Petrolina. Por lá,
pegava os primeiros alunos e funcionários na Praça Dom Malan e depois retornava
à Juazeiro. “Era uma bagunça muito grande dentro desse ônibus. Essa época foi
maravilhosa. A minha turma era formada por 24 alunos e nos considerávamos como
uma família”, relembra a ex-aluna da Famesf e primeira mulher a fazer o curso
de Agronomia na região, Hylânia Duarte.
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| A primeira mulher a fazer o curso de Agronomia
da Famesf, Hylânia Duarte. Ela relembra que viajou no Belo Antônio para realizar aulas práticas no campo. |
Para ela, a
aquisição do Belo Antônio foi muito importante, pois ele levava os estudantes
para as aulas de campo em outras cidades. “Antes da chegada do ônibus, não
tínhamos como ter determinadas atividades práticas. Na disciplina de Tecnologia
de Alimentos viajávamos para a cidade de Arco Verde em carros emprestados pela
comunidade. Com a chegada do Belo Antônio pudemos participar das aulas práticas
com mais tranquilidade”, ressaltou.
“... Calú, Calú, quer
vender o vaporzinho”?
Uma das paradas
obrigatórias do ônibus era o caís de Juazeiro, em frente ao local onde ficava o
Vaporzinho. Próximo ao local havia um sobrado onde morava Dona Calú, uma
senhora que, segundo conta alguns ex- alunos, era muito ranzinza e não gostava
dos estudantes da Famesf. Todos os dias, os alunos passavam na orla e cantavam:
“ Calú, Calú,
quantos pregos você tem? Calú, Calu, quer vender o vaporzinho?”
| A ex-aluna da turma de 1974, Maria Mazarello
Gomes Ramires lembra com carinho as aventuras vividas no ônibus da Famesf. |
“Ela odiava o ônibus da Agronomia. Um dia
Dona Calú esperou o Belo Antônio passar, encheu um caldeirão de água fervente e
jogou em cima do ônibus. Ainda bem que fechamos a janela”, relembra com risos a
ex-aluna da Famesf da turma de 1974, Maria Mazarello Gomes Ramires.
O grande
amigo Léo
Na memória dos
ex-alunos da Faculdade de Agronomia ainda permanece a imagem de Léo, o primeiro
motorista do Belo Antônio. A cada ponto de chegada ou partida do ônibus, o
motorista moreno, meio calvo, gordinho, com barba sempre aparada, contagiava a
todos com sua alegria. “O Léo era como um pai pra gente. Um parceiro que sempre
nos acompanhava. Excelente motorista. Ele tinha muito cuidado com os alunos.
Sinto saudades dele e daquela época”, conta a ex-aluna Maria Mazarello.
“...O
Bororó da agronomia é o maior!”
O ônibus da
Famesf realizou várias viagens pelo país. Percorreu todo o Nordeste, Sul e
Sudeste do Brasil levando alunos para visitas técnicas, aulas práticas e
jogos universitários. Na década de 1970, uma nova geração de alunos
passou a circular os corredores do transporte e deram a ele outro apelido,
Bororó. Quem transportava os alunos nas viagens técnicas era o bem humorado
João Pereira Santos. “Com o Seu João, tínhamos uma relação quase
familiar”, recorda o professor da Uneb e ex-aluno José Osmã Teles.
A ex-aluna da Famesf e professora da Uneb Maria de
Fátima Pontes
ainda guarda na memória o hino do Bororó.
A professora da
Uneb Maria de Fátima Pontes foi aluna da Famesf e passageira do Bororó. “No ano
de 1978, fizemos uma viagem para uma fazenda próximo ao município de Curaçá,
que fica à 192km de Juazeiro. A turma cantava, ria e com muita alegria entoavam
o hino do ônibus: “O Bororó, êh!O Bororó, êh! O Bororó da Agronomia é o maior”,
lembra a professora.
O olhar
da saudade
As emoções
vividas no Bororó permanecem vivas na memória do motorista Luís Carlos Barros
Mendes que em 1979 assumiu a direção do veículo. Ele lembra com precisão a
primeira viagem que realizou a cidade de Curitiba no Paraná. Nesse mesmo
encontro ganhou dos alunos o apelido de Cabeção. “Cinco horas da manhã e já
estávamos na Praça Dom Malan. Em um determinado momento os alunos chamaram:
‘Cabeção’; E eu olhei. Só que eles estavam chamando um estudante de Itabuna”,
relatou.
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O êx- motorista do Bororó Luís Carlos Barros Mendes revela
o carinho e a saudade que sente da época
em que viajava no Bororó.
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O olhar distante
do motorista ao relembrar as aventuras do Bororó revela o carinho e a saudade
que o funcionário tem da época em que viajava no ônibus. Todos os anos, alunos
e professores participavam dos Jogos do Interior e dos Jogos
Universitários. O último aconteceu em João Pessoa, na Paraíba, em 1985. O
fiel companheiro das turmas de Agronomia também se aventurava com os estudantes
durante as competições. “Uma vez em Mossoró, no Rio Grande do Norte, o time
adversário estava perdendo de dois a zero e o juiz marcou dois pênaltis a favor
do time. Eu tomei a placa e o apito do arbitro e eles deram a vitória aos
estudantes Famesf”, conta Luís aos risos.
| Foto tirada em 31 de março de 1977 durante uma
viagem realizada por alunos da Famesf para a cidade de Curitiba, no Paraná para participarem das Agronomídades. |
O professor da
Uneb e ex-aluno da Famesf, José Humberto Félix também participou das
Agronomíades, jogos universitários realizados por estudantes dos cursos de
Agronomia de todo o país. Ele guarda boas lembranças e fatos engraçados das
viagens realizadas no Bororó. Uma deles aconteceu no ano de 1979 em uma viagem
para a cidade de Goiânia, em Goiás. “Na capital nós íamos disputar uma partida
final e quando estávamos próximo ao ginásio, um colega chamado Gilson Ataíde
foi atropelado por um fusca. O capô do carro ficou destruído. Ele levantou,
sacudiu a poeira, como se nada tivesse acontecido e ainda reclamou com o
motorista por não ter enxergado ele”, relatou aos risos o ex-aluno.
Meio
século de história
Preservado há 49
anos no prédio da Instituição como patrimônio da antiga Famesf, atual
Departamento de Tecnologia e Ciências Sociais (DTCS), o ônibus ainda atrai
olhares curiosos dos novos alunos do curso de Engenharia Agronômica da
Universidade do Estado da Bahia (UNEB). A última reforma foi realizada em 1994
em parceria com a empresa Joalina Transportes LTDA, durante a gestão da
professora Isabel de Araújo Santana.
O veículo parou
de circular em 2002 e é utilizado pela instituição durante o encontro de
ex-alunos da Famesf, que acontece todos os anos, no segundo sábado do mês de
dezembro, onde é montada dentro do transporte uma exposição com fotos antigas
dos estudantes da Faculdade de Agronomia.
De acordo com
alguns egressos da Famesf, quem viveu a fase de ouro do Belo Antônio não chegou
a conhecer o novo apelido Bororó, que foi adquirido após a saída das primeiras
turmas de Agronomia da instituição. Devido a isso, alguns deles criaram
resistência ao apelido atual. Para os ex-alunos da Famesf Belo Antônio ou
Bororó continua sendo o nome de guerra de um ônibus que, todos os dias,
transportava belos sonhos entre duas cidades vizinhas.
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Belo texto Sheylinha.
ResponderExcluirObrigada!!
ExcluirMuito bom, Sheilinha. Bela homenagem.
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